No quarto dia, Deus criou as aves e viu que tudo era bom. Depois de algum tempo, observou que três delas, pertencentes à mesma família, não agiam como as demais aves, pois não conseguiam voar. Chamou três anjos-mestres e enviou-os à Terra para ensinar a elas a arte do voo. Ao final de um ano letivo, chamou-os de volta e pediu-lhes o relatório do trabalho realizado.
O primeiro anjo-mestre entregou-Lhe uma Ficha de Avaliação impecável do cabeçalho às anotações de rodapé, na qual se podia ler: “Aluno quieto, mas apático, com sérios problemas de aprendizagem. Não conseguiu atingir os requisitos mínimos necessários para promoção. Não saiu do estágio inicial. É infrequente. Faltou a todas as aulas práticas. Parece ter horror à escola. Apresenta esfenisciformismo acentuado, com dificuldades motoras e de locomoção. Tem penas escamosas, os dedos virados para diante, além de outros defeitos físicos congênitos que o impedem de voar como as outras aves. Sua família deve ser comunicada, a fim de levá-lo a um ortopedista ou fisioterapeuta. No próximo ano, deverá ser encaminhado a uma sala de ensino especial, com acompanhamento de um psicólogo, para curar essa sua obstinação em não querer voar. Conclusão: deverá ser retido na série”.
O segundo anjo apresentou um relatório menos técnico, onde dizia: “Missão cumprida. Durante as aulas, falei-lhe sobre a capacidade e a necessidade de voar. Mostrei-lhe o céu e falei sobre a energia eólica e as correntes ascendentes. Apresentei-lhe vários slides, vídeos, recortes de revistas e jornais sobre o assunto. Expliquei-lhe e demonstrei na lousa toda a teoria conhecida sobre o voo das aves. Consegui esgotar, até o mês de outubro, a matéria toda do livro didático. No próximo ano, este aluno deve matricular-se na série seguinte. Está apto a voar”.
O terceiro, ao relatar seu trabalho, disse o seguinte: “Fiz algumas experiências durante o curso e percebi que o aluno não consegue voar com sua turma. Ele apresenta algumas diferenças que devem ser consideradas: seus ossos são muito longos e suas asas, curtas demais. A cauda, também curta, serve apenas para apoiar o corpo em posição vertical. E, mesmo que tenha gostado das minhas demonstrações, não apresentou interesse em voar. Sente medo de se atirar do penhasco, apesar das diversas tentativas. Percebi logo que ele ia acabar desistindo do curso. Decidimos, então, avaliar nosso trabalho, reavaliar o programa e refazer o currículo para atendê-lo nas suas necessidades. Descemos da montanha para a praia e, atualmente, estamos nos dedicando à natação. Nessa atividade, ele demonstra facilidade e gosto incríveis. Eu praticamente não consigo acompanhá-lo em seus movimentos, atrapalhado que fico com minhas grandes asas emplumadas. Contudo, a cada aula, vou me acostumando e apreendendo com ele. Apesar de tão diferentes, acredito que, em pouco tempo, surgirá uma dupla campeã em natação: eu, um anjo mestre, chamado educador, e esse aluno-ave, conhecido como pinguim”.
(Paulo Cesar de Almeida, de Andrelândia (MG), ficou em primeiro lugar, na categoria Crônica, no Concurso Literário Mario Quintana, promovido pelo Sintrajufe)
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